Em parte por mania, em parte por ter sentido as restrições da Guerra (ainda que de longe, embora fortemente no coração) Vó Nair nunca foi dada a desperdícios na cozinha, nem grandes arroubos de consumo…
A casa era repleta de objetos-que-no-futuro-poderiam-quem-sabe-ter-alguma-serventia. Era um tal de tampinha de pasta de dentes, potes de margarina já sem a tinta do rótulo e amolecidos pelo tempo, latas de conserva que viravam recipientes para cozinhar ovos duros, panelas com remendos nos cabos e até mesmo furadas, feixes e mais feixes de palitos de fósforo já usados e acondicionados num vidrinho sempre prontos para acender mais uma boca do fogão, papéis de presente, papéis de venda, papéis de pão… era praticamente uma mistura de usina de reciclagem com oficina do Professor Pardal.
E no quesito “quem guarda, tem”, as campeãs eram as roupas da Vó. Com cinturinha de pilão e aparentemente sem ganhos significativos de peso desde a solteirice, ela deixava na gaveta as roupas novas que ganhava e se punha a usar – sobretudo dentro de casa – uns vestidos estampadinhos fofos e acinturados, porém já meio maltrapilhos.
Pior que os vestidos de andar em casa, só mesmo as roupas de dormir. Descobri isso da pior maneira, numa noite de verão. Estávamos todos na casa de praia, eu devia ter uns oito anos, quando levantei no meio da noite para ir ao banheiro. A própria viagem entre o quarto e a parte de trás da casa era por si só um tormento, já que eu tinha de passar perto da geladeira velha que dava choque, fazia barulho e metia medo na netarada.
Ao chegar perto da cozinha, já estava preparada psicologicamente para tomar um sobressalto na hora que o motor da geringonça resolvesse se pôr a funcionar do nada, quando ouvi um ruído diferente, uma espécie assim de zip zip zip. Algum bichinho inofensivo, cheguei a pensar…
Qual nada! A visão que tive me arrancou um grito. Uma criatura alta e magra, com os cabelos brancos em desalinho, vestida numas calças boca-de-sino brancas com bolas cor-de-abóbora, mesma estampa dos babados da gola e dos punhos da blusa laranjona-cheguei de um rayon sintético feito plástico. Era a Vó, ela mesma, reconheci. Não sem antes achar que estava a ver coisas, que aquilo era um arremedo de Palhaço Bozo de mil-novecentos-e-geladeiras-Frigidaire.
Não me recordo como foi que a Vó conseguiu me consolar, nem como dormi naquela noite, mas o pijama era temido pelos netos todos, não sem razão. Tia Mara, depois de uns anos, conseguiu dar fim no trapo, mas a indumentária é até hoje o símbolo desse hábito que a Vó tinha de tudo guardar para não faltar.
Mas no geral ela nos passou bons ensinamentos de economia doméstica, sábia e inteligentemente. Uma delas, que divido com vocês, é a facílima e utilíssima técnica de fazer farinha de rosca caseira:
Ingredientes:
- Pães dormidos e já bem sequinhos
- Ralador
Como fazer:
- Passe os pães pelo ralador, produzindo uma farinha na espessura de sua vontade, com o cuidado de não se lançar à empreitada em horários impróprios, pois faz um barulho danado!
- Acondicione a farinha em saquinhos e leve-os ao freezer, ou faça fantásticos bifes à milanesa ou frangonitos.
Repeti a feita dias atrás, lembrando das conversas na cozinha da Vó e de toda a doçura que ela emanava, doçura essa que sempre suplantou e muito suas manias e eventuais aparições assustadoras com pijamas de bolas.
òptima sugestão. Mas adorei mesmo, foi lêr a história, diverti-me muito com a sua avó, mulher sábia.
Beijocas
AHAHAH, gatinha, adoreeeeei a história. Na casa da minha vó – para onde eu fugi uma vez, por três dias, levando apenas as minhas Barbies – também era complicado o caminho entre o “quarto dos guris” onde eu dormira (nome esse porque tinha sido o quarto do meu pai + meus dois tios quando pequenos) e o banheiro, porque eu tinha medo dos espíritos que meu vô dizia estarem por ali – ele era espírita de ficar naquela mesa lá na frente durante as sessões no centro. Minha vó dormia de camisolinha, mas meu vô, militar, dormia com uns shorts verde-oliva de tecido grosso e camisetinha regata (“de física”, como se diz no RS) e meias pretas. hi-lá-rio!
Farinha de rosca eu também faço em casa, mas faço no processador. Não sou boa com raladores e uma lasquinha de mim sempre acaba se misturando às comidas quando tento ralar algo… Um beijo
Minha mamãe também faz farinha de rosca com pão amanhecido, só que ela torra o pão antes: a farinha fica mais moreninha e com um gostinho danado de bom! :o)
Ai, muito engraçada a história da sua avó. Acho que até eu fiquei com medo do pijama. rs
Eu tb faço farinha de rosca em casa com os pães que insistem em sobrar. E meu pai é do tipo da sua avó, guarda de tudo! Aff, acho um exagero! Beijos
ha ha ha! Fer, que historia sen-sa-cio-nal! su avó era uma lindeza. tambem conheci umas lindcoas assim “thrifty”, que nao eram avós, mas tias. e nunca esqueci a lição de vida que continha ali nas latinhas, tampinhas, pudins feitos com a agua em que se cozinhou as beterrabas. Beijaooo pra voce!
ai ai ai eu tinha uma tia assustadora assim ! lá pelos anos 50 , num quarto escuro, lá estava ela sem levar sol com as bochechas em carne viva (acho que tinha feito esfoliação, naquele tempo vinha com a pele junto ,creio ) me assustei e perguntei, tia, o que foi isso? a resposta, – foi um morcego!
Dadi, tambem ralo o pão para fazer farinha de rosca (?) e ralo tambem o tomate até ficar com a casquinha na mão sem nadinha de polpa. bj
Meu Pai do Céu! Parece que você tava descrevendo a minha vó! Ela também guarda de tudo e não joga fora nada que possa ser remendado ou colado. Só nunca teve um pijama desses! 🙂 E vive inventando mil maneiras diferentes de economizar seja o que for, não por necessidade, mas para ter quando precisar (“quem guarda o que não serve, tem o que precisa”, pode?) Meu avô costuma dizer: “na sua avó, só a cova dá jeito” (uiii)
Seu texto tá lindo e muito saboroso,viu?
Quanto à farinha de rosca, aprendi com a minha mãe a torrar o pão e passar no liquidificador ou no processador. É bem rápido, prático e muito útil. Uso para empanar e para colocar em cima de comidinhas que quero gratinar – dá um douradinho lindo!
Bj
Essa história é muito engraçada,e a receita é super simples e evita desperdício,o que eu acho muito bom.
Também quero te convidar para dar uma passada no meu espaço,ele é novo no pedaço e gostaria que desse uma olhada e deixasse comentários.
Vou ficar te esperando,espero que goste.
Bjs
Nani
Dadi, adorei esse texto!! Morri de rir com o pijama da sua avô e me encantei com ela!! Vó é a coisa mais gostosa do mundo mesmo!! E seus
pijamas e ‘roupas de ficar em casa’ são um capítulo à parte sempre!! rs
Beijos!
que vovó + fofa ..hehehhe
Eu tmb faço isso ,ralo o pão ,misturo com um queijinho ralado do bom e vai para o congelador !! nada + prático !!
Beijokas ..
PS : e aquela massa que voce fez linda maravilhosa de babar ,já foi utilizada ?
Nossas avós já sabiam que reciclar na cozinha é fundamental!!! O Jamie Oliver faz uma com pão dormido bárbara: ralar o pão, bater no processador com anchova e seu óleo e pimenta (eu usaria dedo-de-moça). Fritar rapidamente com um pingo de azeite e jogar sobre um risoto. HUMMMM!!!
beijo
Eu achei esse site por acaso e já estou pelo menos umas duas horas lendo suas receitas e seus textos, a minha barriga tá doendo de tanto que ri da história da sua avó…já está no “meus favoritos” e vou fuxicar sempre…abaços.
O nome da sua avó é Nair mesmo? Não é Zizi? Pois você descreveu minha avó, menina! Igualzinha. Guardava tudo, usava umas roupas que nem morador de rua aceitaria e tnha o guarda-roupas lotado de coisas novas! E fazia farinha de rosca em casa. Só que deixava o pão no sol, para torrar antes (?!?!)
Bjs
Dadi, estas leituras aqui sao maravilhosas.E sempre me fazer sorrir.
Dadivosa… uhahauhauh me parti de rir, deu pra imaginar a cena.. chamei minha mãe q tbm já viveu cenas parecidas como atravessas a cozinha para chegar no banheiro e ela tbm tinha uma geladeira q dava sinais de vida hauhauah… ela chorou de tanto rir…
meu Pai ouvindo as risadas quiz saber do que se tratava… sentou e leu… e tbm se partiu de rir… e Elogiou muito como vc desvreve as situações… =)
Já pensou em escrever um livro com histórias da infância misturadas com receitas de família.. e dicas de cozinha?
“Seja uma Dadivosa” é um bom nome de Livro…
BJOSSSS e sou sua Fã.. =)
Rachel
A história é deliciosa, tanto quanto as receitas que se podem fazer com esta farinha! As avós são geniais!
vc escreve muito bem. Deu várias risadas com o pijama da vó! Muito fofo o blog, parabéns!
Querida , Dadivosa adorei seu blog , e notei seu talento de escritora
por que não põe um livrinho no forno??
beijos e sucesso!!
essa história é bem engraçada e minha mãe também guarda tudo